sexta-feira, 24 de maio de 2013

O último verão de Malinverni Filho

“O último verão de Malinverni Filho”- retrato sobre a história do artista. É mais uma fotografia que fará parte do álbum da família. A memória do artista plástico Malinverni Filho está esquecida na mente do povo lageano, na dos catarinenses e na desse imenso Brasil, que tem tantas riquezas, mas esquece a principal: sua própria cultura.

A vida é um grande teatro, porque, a cada dia que passa, uma nova peça muda o rumo da história.Com Malinverni Filho não foi diferente. As peças que o destino colocou no seu caminho, impediram a continuidade da sua trajetória artística, deixando uma legião de possíveis artistas e professores, futuros discípulos das artes plásticas que ele tanto amava.

Fazer a seleção das fotos para compor a exposição referente à passagem dos 100 anos de Agostinho Malinverni Filho (1913 – 1971) é entrar na intimidade do artista e realizar uma viagem fantástica no tempo. São fotografias em tons de sépia, preto e branco, coloridas, desfocadas ou não e que descortinam uma pequena mostra do cotidiano daquele que podemos considerar como o primeiro e mais importante artista na história das artes plásticas de Lages. 

As fotos registram, em detalhes, como as pessoas viviam entre 1913 até 1971, ano do falecimento do artista. É um verdadeiro tesouro, pois as famílias guardavamsuas lembranças e memórias, momentos únicos que não voltam mais. São histórias coladas nas páginas de antigos álbuns e que, na maioria das vezes, não houve a preocupação em deixar palavras que dissessem algo sobre determinado assunto ou anotações
deixadas no verso das mesmas pelas pessoas que as guardavam e aquelas que ainda guardam, com tanto carinho.

As fotos foram feitas por amadores e também profissionais, como é o caso das tiradas pelos estúdios fotográficos, no período em que Malinverni Filho frequentou a ENBA - Escola Nacional de Belas Artes (1934 a 1947), no Rio de Janeiro e do Foto Klinger (Lages/SC), que fotografou o casamento do artista, em fevereiro de 1948. É um típico retrato em preto e branco, onde luz e técnica se fundem, revelando sentimentos, expondo o vigor e a jovialidade do casal numa peça de rara beleza.

O que mais se destaca na maioria das fotos do acervo da família, principalmente das tiradas de 1929 em diante, são as poses do artista. Uma é especial, na qual ele está segurando uma palheta de pintura ao lado de um retrato feito por ele e está usando terno e gravata, como na maioria das fotos. O artista até parecia modelo ou galã de cinema, pois lembra Rodolfo Valentino.

Avesso às formalidades sociais impostas na época, Malinverni gostava da simplicidade, de jogar bilhar, de festa de São João, de contar piadas e até arriscava-se como poeta: “A minha escola se baseia no correto desenho, que procuro dar vida, com as cores que me empresta a natureza”.

São momentos que se transformam com o passar dos anos, mas a elegância fazia parte do meio artístico e dos meios políticos na época. Ele viveu tais momentos através das exposições que realizou no Rio de Janeiro, com a presença de artistas e políticos, como o presidente Getúlio Vargas. No entanto, havia um comprometimento com as técnicas e o fazer artístico, pois eram poucos os que tinham a oportunidade de frequentar tais escolas e desenvolver suas potencialidades artísticas. 

Malinverni Filho provou que, além da pintura, era um exímio escultor, dominando a modelagem na argila e criou verdadeiras obras de arte, muitas imortalizadas no bronze e fixadas em praças e em frente de instituições em Lages, Brusque, Florianópolis, Rio do Sul, Palhoça e Videira.

Assim como Portinari, voltou para sua Brodósqui para pintar as coisas simples da sua terra. Malinverni deixou a Capital Federal, no RJ, na época, e retornou a Lages para pintar a paisagem serrana com suas imponentes araucárias e ensinar o que havia aprendido com os grandes mestres da Escola Nacional de Belas Artes.

As fotos são um verdadeiro arquivo de imagens e servem de estudo da década de 20 até 70, revelando hábitos e costumes, como nos cortes de cabelo e penteados esculturais, nas vestimentas e acessórios, de crianças ou adultos, na arquitetura, nos automóveis, móveis e brinquedos. Está incluída, também, uma foto de uma forte nevasca que caiu sobre a região da Serra Catarinense no inverno de 1957, na qual Malinverni Filho descreveu, no verso da foto, aquela intempérie. Assim como registrou em tantas outras sua trajetória e declarações de amor e carinho para sua amada Maria do Carmo Lange (Mariechen, como era chamada
pelo pai e como é conhecida atualmente, ou seja, “Mariazinha” em alemão). Mariechen é a grande responsável pela existência do Museu Malinverni Filho e traz, na memória, a história de vida que construiu juntamente com seu amado. É exemplo a ser seguido por muitas mulheres.

Filho de imigrantes italianos, os quais procuraram viver em locais de clima e geografia que lembrassem a terra natal. Os pais de Malinverni Filho, Agostinho Malinverno - natural de Cremona (Itália) e Anna Ângela Corsetti Malinverno - naturalde Feltrin (Itália) - encontraram no sul do Brasil, na cidade de Caxias do Sul/RS (berço da família Malinverni no Brasil), sua morada. Mudaram-se, mais tarde, para a Serra Catarinense, para o município de Lages, onde Agostinho Malinverni deixou sua marca como exímio escultor, para nossa felicidade e orgulho. Suas obras podem ser apreciadas nos adornos do colégio Vidal Ramos e nas pedras retiradas do bairro Morro do Posto, atual Guadalupe, as quais esculpiu para construção do prédio da Prefeitura de Lages, que é um dos cartões postais mais fotografados na cidade, pela beleza e simetria dos arabescos. Destacou-se, também, pela arte cemiterial, que se encontra no Cemitério Cruz das Almas e, provavelmente, também espalhadas nos demais municípios da região serrana.

Esse é o Brasil das miscigenações, que, ao longo dos séculos, foram compondo o que há de melhor, na arte brasileira. Não falo aqui dos ismos pelos quais o artista transitou e deixou sua marca, mas da importância de preservarmos nossa história e mantermos viva sua memória.













Rudimar Cifuentes
Artista Plástico e Curador

Nenhum comentário:

Postar um comentário